segunda-feira, 6 de abril de 2015

XVII- Presença

Esse texto poderia também ser sobre segredos, mas não é esse exatamente o caso.

O rapaz resolve contar para contar para algumas pessoas sobre o seu namoro. Ele não o faz de forma imediata. Fraciona, como na destilação do petróleo. Cada ponto de fusão, um produto. Cada dia a notícia de sua felicidade para uma pessoa diferente. Passados dois meses do início de tanta felicidade, chegou a minha vez.

Lembro-me de quando ganhei minha segunda bicicleta. Tinha 9 anos, acho. Tinha acabado de aprender a andar de bicicleta e aquela foi depois de uma outra, que ganhei com 4 anos e que tinha rodinhas.

Era presente de Natal. Meu pai comprou a bicicleta ainda no começo de novembro, porque ele aproveitou o preço e temia que eles ficassem mais altos. Estamos falando do fim dos anos 80, época de hiperinflação. Só que ele fez o seguinte: deixou a bicicleta dentro da caixa, desmontada, e ela só seria aberta na noite do dia 24 pro dia 25.

Eu passei aqueles meses numa grande ansiedade. Virava e mexia ia para debaixo da cama e ficava contemplando a caixa. Mas eu também não hesitava em abrir. Não só pela ordem do meu pai, mas também para não perder a graça. Temia que se abrisse logo de cara, no dia 24 de dezembro eu não teria absolutamente nada novo para abrir, nenhum presente e assim perderia a graça.

E foi assim até o dia 24, quando abri a bicicleta e meu tio, que trabalhava no prédio em que morava de madrugada, montou pra mim.

Volto ao caso do rapaz. Não posso inferir sobre os motivos para que o seu namoro só fizesse presença agora. Costumamos conversar sobre vários assuntos, trocar ideias, mas ele preferiu deixar agora, numa sequência de coisas a serem ditas. Aconteceu há dois anos quase situação parecida da minha com a dele, mas sem tanta espera ou preferência sobre a ordem para quem eu iria comprar.

O comportamento dele me parece um pouco com o meu com a bicicleta. Um presente - já que ele me diz que encontrou a pessoa ideal de sua vida- que não pode ser aberto de cara. Não tem motivos, nem cabe aqui discuti-los.

Só penso mesmo como por vezes só deixamos os compartilhamentos para momentos determinados, seja no Natal ou em determinadas conversas. E mais que uma resposta, fica uma pergunta: quando e como nos podermos nos fazer "presentes"?




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